sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Sou preto, judeu e homossexual. Sou bodyboarder.




Toda a minha vida tive uma posição hostil mas distanciada relativamente ao racismo. Repudiava o conceito mas não o entendia. Não tinha razões para isso: era branco, católico, classe média, heterossexual...enfim, felizmente nunca senti na pele qualquer tipo de discriminação.

Detestava o racismo porque me parecia um conceito disparatado aquele de avaliar as pessoas pela cor da pele. Não digo que sempre fui bacteriologicamente puro ao mesmo, não sou hipócrita e fui criado no Portugal pós-guerra colonial com tudo o que isso implica. Mas desde que me lembro de toar uma posição intelectual a esse respeito, sou contra. Visceralmente contra.

Mas só desde que me dediquei ao bodyboard é que percebo o que é isso da discriminação. Não me arrogo de o conhecer como um negro ou um homossexual, mas parece que, a algumas pessoas, o facto de descer ondas mais ou menos deitado numa prancha curta e sem quilhas os repugna e os ajuda a fazer um juízo de valor sobre mim.

Aqueles de vós que pertencem aos felizardos que sabem o que é isto de surfar uma onda, sabem perfeitamente do que estou falar. Mas para aqueles que estão de fora deste mundo líquido e pensam, como eu pensava, que isto éum fenómeno mais ou menos localizado e marginal, tenho uma notícia para vos dar: não é.

A coisa está de tal forma enraízada na mente de alguns, que encontra eco no melhor surfista (com quilhas) de sempre em Portugal e que, inclusivé, não tem pejo de o divulgar num dos jornais de maior tiragem do país. Um acto irreflectido de um jovem que surfa muito bem mas que, até por começado a descobrir as ondas numa bodyboard, não o favorece.

Mas após um dia ou dois de irritação, ignorei a tal entrevista. Não interessa que tenha passado meses a ouvir a mesma conversa nas praias deste país. No meio de muita ignorânci até ouvi sinais de esperança, de pessoas que, independentemete do veículo de ondas que usavam, repudiavam aquele "disparate". Que raio, mais ou menos na mesma altura, Kelly Slater, provavelmente, o melhor surfista de todos os tempos elogiou o bodyboard...

Mas, repito, não tenho nada contra o rapaz que "Sacou" aquelas declarações sobre "patinhos". Ninguém é perfeito e não é por o Cristiano Ronaldo ser um puto semi-analfabeto que vou deixar de aplaudi-lo por fazer o que ele faz melhor. O mesmo se passa com esse surfista, o único português no top-45 da ASP.

Também não me chateio com colegas e amigos que, por desconhecimento, me perguntam coisas como: "Mas isso do bodyboard é mais fácil, não é?" ou o brilhante "Isso não é só em ondas pequenas?" ou então o inacreditável "Pensava que era para os putos que estão a aprender a fazer surf..."

Não, não me chateio. Agora, leva-me à loucura ouvir uma reportagem na cadeia de televisão financiada pelos meus impostos em que a repórter, que sei que até já trabalhou, em tempos, para uma empresa promotora de campeonatos de surf, dizer qualquer coisa como "Tiago Pires só perdeu o medo do mar quando largou a prancha de bodyboard" (???!!!)

Porra, nunca tinha sentido na pele o que é isto do racismo, mas acho que só na Alemanha nazi se podia observar certas mensagem discriminatórias espalhadas pelos meios de comunicação do Estado. Se a repórter tivesse dito que "Os negros e os judeus não são humanos" o país tinha (espero) urrado de indignação. Felizmente, como estamos a falar de coisas bem mais comezinhas, isto passou tranquilamente.

Mas, com tudo isto, e como não penso largar a minha prancha de bodyboard para "deixar de ter medo do mar", acho que vou continuar mais ou menos negro, judeu e homossexual.

10 comentários:

Anónimo disse...

Compreendo-te perfeitamente, mas quanto mais falares, mais importância dás ao assunto. E acho que este assunto (ou ignorância) nem merecem ser comentados.

Abraço!

Anónimo disse...

ass. Tlai

hm disse...

lembro-me que foram argumentos que começaram nas revistas de surf. Depois proliferaram em surdina pelos lineups de barrigudos e pranchas amareladas. Felizmente para nós a liberdade (até de espirito) que o bodyboard proporciona supera qualquer quezilia.

Anónimo disse...

Caro amigo, percebo a tua atitude, afinal, tive este post na cabeça durante meses e várias vezes acabei por não o concluir.

Mas um dia acabas por perceber que, se houver um leão na sala, não é fechando os olhos que evitas que ele te devore.

Prefiro gritar que há, de facto, um leão na sala. Pode ser que ninguém apareça para nos salvar, mas ao menos aviso quem tem os olhos fechados.

Anónimo disse...

Um Leão!?!? É mais um ratinho.
A minha presença espiritual é maior do que a sala, não há animal nenhum que me consiga devorar. (LOL)

Anónimo disse...

Pois, um ratinho, tens razão, é mais apropriado. E este já me estava a roer há que tempos. Como o "Rui" daquele blogue que a gente conhece ;)

Boas Ondas e vai aparecendo.

Ricardo Silva disse...

Façam como eu! Comprem uns tampões para os ouvidos, não só evitam o tristemente famoso "surfer's ear" como os deixam a falar sozinhos....é óptimo!

ln disse...

Que raio de ideia de meter o racismo no meio do comentário...

Anónimo disse...

Um bocado extremo, né? Mas já ouviste falar em terapia de choque?

Anónimo disse...

lobotomia é o seu caso